O acto de “sair do armário” é uma construção social do Ocidente?
Algumas semanas atrás, eu entrei em contacto com meu primo que mora no Irã para fazer algumas perguntas para minha pesquisa sobre as políticas de género e sexuais do Irã. Como um descendente de iranianos que se preocupa muito com questões LGBT, eu estava empolgadíssimo com a perspectiva de ouvir o que meu primo tinha a dizer. Eu fiz de tudo para entrar na conversa sem pré-concepções e com a cabeça aberta. Mas, como vim a descobrir, isso é algo que é fácil de pensar, mas difícil de fazer.
Eu comecei perguntando se ele conhecia alguém que vivia “fora do armário”, o que eu presumia seria um pergunta bastante simples. Meu primo fez uma pausa breve e me perguntou, como resposta, o que significava “fora do armário”. Supondo que algum ruído na tradução do inglês para o farsi estava deixando meu primo confuso, eu tentei reposicionar minha pergunta, perguntando se ele sabia de pessoas que eram publicamente gays, pessoas que declararam sua homossexualidade para os amigos e família. Sua resposta foi perguntar por que é que alguém faria isso.
Imediatamente supus que a falta de conhecimento do meu primo sobre “sair do armário” significava que os homossexuais no Irã viviam em sofrimento. O simples facto de que meu primo na casa dos 20 anos, relativamente liberal, não conhecia nenhum homossexual declarado apenas provava para mim que a homossexualidade é um tabu absoluto na sociedade iraniana. Eu havia encontrado a resposta pela qual eu ansiava subconscientemente desde o início – os homossexuais são oprimidos no Irã.
Eu parti para a próxima pergunta. Eu perguntei a meu primo se ele sabia de qualquer tipo de práticas homossexuais no Irã. Ele respondeu que, pelo que ele tinha conhecimento, vários iranianos experimentavam com a homossexualidade. Ele disse que muitas vezes isso acontece entre as gerações mais jovens durante festas e reuniões sociais, mas mencionou que às vezes alguns homens casados mais velhos secretamente tê amantes homens. Eu estava chocado: como poderia existir uma sexualidade aparentemente tão fluída numa sociedade que, de acordo com meu primo, não tinha homossexuais “fora do armário”?
Segui com minha pesquisa. O artigo “Passionate Uprisings: Young People, Sexuality and Politics in Post – Revolutionary Iran” (Revoltas Passionais: Jovens, Sexualidade e Política no Irã Pós-Revolucionário) dissipou muitas das minhas confusões. Nele, o autor Mahdavi Paris explica que muitos jovens iranianos, participando da grande “revolução sexual” subterrânea, experimentam com a homossexualidade. Eles veem isso como uma maneira de resistir às normas sociais conservadoras e, ao que parece, defasadas, impostas pelo governo iraniano. Experimentações com o mesmo sexo, para muitos, é uma extensão da juventude, da rebeldia, e da diversão – mas não necessariamente um formador de identidade.
Por que a sociedade ocidental – inclusive eu – é tão obcecada em colocar as pessoas dentro de categorias? Numa época em que a sexualidade cada vez mais é compreendida como um aspecto fluído, por que nós presumimos que qualquer sociedade não – repressiva tem que ter uma boa fatia de homossexuais “fora do armário”?
Inúmeras vezes eu vejo pessoas demonstrarem preocupação obsessiva sobre se alguém é “gay” ou “hétero”. Isso por si só torna mais difícil para alguém com tendências heterossexuais experimentar com alguém do mesmo sexo sem enfrentar julgamento. A identidade é construída pelas experiências, lugares, pessoas, pensamentos, crenças e outros factores de nossa vida. é praticamente impossível agrupar identidades monoliticamente tomando por base características que se considera comuns. Nós podemos estar forçando que pessoas não – heteronormativas tenham que se refugiar em identidades “homossexuais” ou “heterossexuais”, mesmo que eles não se encaixem completamente nos paradigmas associados a essas identidades. No Ocidente cada vez mais “progressista”, a binariedade entre gay e hétero, ironicamente, alimenta os preconceitos contra aqueles que poderiam se encontrar em algum ponto intermediário, ou aqueles que não veem sua sexualidade como parte importante de sua identidade.
Precisamos nos manter alertas a respeito de nossas próprias construções culturais quando discorremos sobre questões de género e identidade em outras partes do mundo. Certamente há iranianos que se encaixam no paradigma ocidental da homossexualidade, mas também parece haver uma população iraniada considerável que não encara a experimentação como parte de sua identidade e, portanto, não sente a necessidade de “sair do armário”.
Tentar compreender fenômenos estrangeiros através das lentes de nossa cultura é extremamente perigoso e pode levar a um complexo de superioridade ocidental. Pode vir a impor sobre outras localidades a obrigação de “correr atrás do prejuízo” culturalmente, nos impedindo de enxergar nossas próprias falhas durante esse processo.
Mais que tudo, minha conversa com meu primo me permitiu compreender melhor algumas das fraquezas do modelo de sexualidade mantido pelo Ocidente. Quem sabe, ao invés de apenas criticarmos as políticas sexuais do Irã ou outros lugares, a sociedade ocidental não pudesse também se abrir para aprender com essas experiências e maneiras de viver diversas. Fazer isso pode nos auxiliar a deixar para trás o complexo de superioridade ocidental e entrar numa fase de colaboração, aprimoramento e aprendizado através de todas as culturas.
Traduzido do artigo de Ali Ahmadi para The Huffington Post
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